terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Um Conceito de Plantação de Igrejas

Penso que a lição mais importante que podemos aprender com Paulo é que não podemos separar teologia e missões. É prioritário que as igrejas reformadas hodiernas estudem e definam com clareza uma filosofia missionária que brote das Escrituras, que esteja comprometida com a doutrina reformada, com as doutrinas da graça, e que esteja atenta para a realidade brasileira. Creio que este é o ponto de partida. Não estou certo de que hoje, no Brasil, as igrejas reformadas tenham uma teologia missionária nesses termos. Percebemos um aumento significativo do interesse missionário por parte das igrejas reformadas, pelo que damos graças a Deus. Porém, não podemos, num entusiasmo inicial, precipitar-nos no pragmatismo característico dos nossos dias. Precisamos trabalhar os fundamentos teóricos. Isso não quer dizer que vamos parar o que estamos fazendo para primeiro resolver as questões teóricas todas. Podemos ir trabalhando, mas sempre abertos às mudanças em metodologia e estratégia que nos sejam sugeridas pela reflexão teológica profunda. Sem essa fundamentação conceptual corremos o risco de cair num mero ativismo, num "frenesi" de aplicação de métodos sem saber exatamente porque os estamos aplicando. Partindo dessas bases podemos refinar nossa metodologia e aplicá-la ao crescimento da Igreja. A Igreja não pode se deixar seduzir por propostas de crescimento fácil que se baseiam mais no pragmatismo do que no ensino das Escrituras.
Dar Prioridade à Pregação Bíblica Expositiva
Podemos também aprender com o apóstolo Paulo que é através da Palavra de Deus que o Senhor edifica a sua Igreja e que uma ênfase redobrada deveria ser dada à preparação de obreiros que "manejem bem a Palavra da verdade" (2 Tm 2.15). O ponto principal é que devemos nos conscientizar de que os plantadores de igrejas precisam ter bom treinamento bíblico e teológico para que possam, desde o começo das novas igrejas, lançar fundamentos profundos que haverão de nortear as comunidades recém fundadas. É necessário, portanto, dar atenção aos institutos bíblicos que formam os evangelistas, aos seminários que formam os pastores, de forma que preparemos pessoas capazes de ensinar o evangelho e plantar igrejas sólidas em solo brasileiro. A pregação bíblica e expositiva é uma necessidade. Em que pese a cristianização do Brasil, o povo é em grande parte ignorante da história da Bíblia e dos seus ensinos. Plantadores de igrejas precisam ser pregadores-mestres, como Paulo. Em outras palavras, precisamos implantar na igreja e no campo missionário a pregação bíblica expositiva. Esse é um dos métodos que Deus mais vem honrando através dos séculos para fazer sua Igreja crescer. E continua a honrar hoje.
Este ponto fica reforçado pelos resultados de uma pesquisa recente, feita por Thom Rainer e sua equipe, entre 576 das igrejas que evangelizam mais eficazmente nos Estados Unidos. Rainer publicou os resultados sob forma de livro.(1) Ele admite que muita coisa foi como ele esperava, mas num capítulo intitulado "Dez Surpresas" ele fala de algumas descobertas inesperadas, pois num certo sentido vão de encontro a alguns conceitos popularizados pelo movimento de crescimento de igrejas. Destaco algumas dessas surpresas:
1. Das igrejas que mais crescem nos Estados Unidos, poucas usam eventos evangelísticos, como, por exemplo, campanhas evangelísticas com pregadores conhecidos e corais convidados. A maioria dessas igrejas considerou ineficaz a promoção desses eventos. Elas gastam muito dinheiro, recursos e tempo na preparação, e somente uns poucos dos que se decidem durante o evento acabam ficando e sendo batizados nas igrejas. Em geral, as igrejas que mais crescem são as que simplesmente mantêm sua programação regular de cultos.(2)
2. Ministérios durante a semana não são necessariamente eficazes para o crescimento da Igreja. Na maioria das igrejas que estão crescendo, o número maior de convertidos vêm dos cultos regulares, especialmente aos domingos. Alguns estudiosos têm defendido o que chamam de "igrejas de sete dias por semana," que oferecem toda sorte de atividades à comunidade, como creches, escolas, e outros ministérios. Alguns até mesmo defendem que há estreita relação entre essas atividades semanais e o crescimento de igrejas.(3) A pesquisa de Rainer, porém, aponta na direção oposta.(4)
3. A evangelização tradicional está viva e "passando bem." O antigo método de evangelismo porta-a-porta tem sido descartado por algumas autoridades em crescimento de igrejas como ultrapassado. Inesperadamente, a equipe de Rainer descobriu que a maioria das igrejas que crescem ainda se utilizam eficazmente desse método. Os líderes destas igrejas disseram que a resistência encontrada nas casas visitadas era a mesma de alguns anos passados. Mas o que importa, disseram, é que a igreja tem de obedecer ao "ide" de Jesus.(5)
4. A localização da igreja não é um fator decisivo no crescimento evangelístico das igrejas. Esta descoberta contraria um princípio central do movimento de crescimento de igrejas, que a localização é fator determinante na plantação de uma nova igreja. Rainer reconhece que uma boa localização oferece mais oportunidades para crescimento. Porém, a boa localização em si não garante o crescimento do número de conversões. Das igrejas entrevistadas pela sua equipe, nove dentre dez responderam que a sua localização não teve qualquer impacto decisivo no aumento de conversões. Igrejas mal localizadas, mas que tinham uma visão evangelística mais agressiva, apresentaram um número crescente de conversões.(6)
5. Uma multiplicidade de opções não melhora necessariamente a eficácia evangelística de uma igreja. Alguns livros de crescimento de igrejas têm caracterizado igrejas eficazes como do tipo "praça de alimentação," que oferecem um leque amplo e variado de atividades para todos os gostos, como cultos mais tradicionais, cultos jovens, cultos mais informais, concertos, encontro de solteiros e viúvos, etc.(7) A igreja torna-se uma agenciadora de várias opções de atuação. Entretanto, a oferta de variedades não provoca necessariamente o crescimento evangelístico das igrejas, conforme os resultados da pesquisa de Rainer. Um bom número de líderes respondeu negativamente, pelo temor de que, no processo de contextualização dessas atividades, a igreja viesse a acomodar-se às demandas do mundo.(8)
Rainer resume o capítulo dizendo que as igrejas que têm sido melhor sucedidas em alcançar os perdidos são aquelas que têm focalizado no que é básico: pregação bíblica, oração, testemunho intencional, missões e treinamento bíblico na Escola Dominical. Essas igrejas rejeitaram toda metodologia que se desvia desses pontos fundamentais, e abraçaram as que os desenvolvem e aprofundam. Rainer conclui dizendo que um dos elementos fundamentais do evangelismo eficaz dessas igrejas era a pregação bíblica expositiva.(9)
Pesquisas como a de Rainer mostram que alguns dos fundamentos do movimento de crescimento de igrejas tão popularizado nos Estados Unidos vêm sendo questionados por um número crescente de estudiosos de missões.(10) Infelizmente, em que pesem as reivindicações de alguns defensores do movimento, os evangélicos dos Estados Unidos não têm experimentado um crescimento em número de conversões que venha validar os métodos empregados pela maioria das denominações. O Anuário das Igrejas Americanas de 1997 (1997 Yearbook of American Churches) traz os números do crescimento das 78 principais igrejas evangélicas dos Estados Unidos. Os números dessa fonte oficial não são encorajadores. Verificou-se que 190.420 igrejas locais registraram um aumento de 32.951 membros em 1996. A média é de menos de dois novos membros para cada cinco igrejas anualmente.(11) Esses números tornam-se ainda mais reveladores quando consideramos que mais de 80% das igrejas americanas têm menos de cem membros.(12) É bom lembrar que o movimento de crescimento de igrejas nasceu nos Estados Unidos e tem influenciado de modo prático a metodologia evangelística e missionária das principais denominações. Os números mostram que não está havendo crescimento global. Devemos nos perguntar se a ideologia e os métodos desse movimento americano funcionariam aqui no Brasil. Num artigo recente, dois missiólogos que fizeram estatísticas na América Latina apontam para o fato de que as igrejas pentecostais, que são as que mais crescem, surgiram por "combustão espontânea" e não como resultado de uma estratégia planejada das missões das principais denominações.(13) Não estou dizendo que não precisamos de planeamento e de estratégias para plantar igrejas no Brasil. Creio que Solano Portela já deixou claro que os reformados dão extrema importância ao planeamento eclesiástico estratégico. (14) Apenas destaco a necessidade de reafirmarmos os pontos básicos e valorizarmos o que vemos em Paulo, o plantador de igrejas.
Finalmente, podemos aprender com Paulo que o nosso alvo em tudo isso é o de alcançar o maior número possível. Se tivermos de colocar um alvo em nosso planeamento estratégico de plantação de igrejas, deve ser este: até que a plenitude dos brasileiros haja entrado. É este o nosso alvo! Aprendamos com o apóstolo Paulo que plantação de igrejas é obra de Deus. Dependamos dele, orando e fazendo tudo o que estiver ao nosso alcance para persuadir os homens a entrarem no reino de Deus.
Bibliografia:
1 Thom Rainer, Effective Evangelistic Churches: Successful Churches Reveal what Works and what Doesn´t (Nashville, Tennessee: Broadman, 1996).
2 Ibid., 29-32.
3 Cf. Lyle Schaller, The Seven-Day-a-Week Church (Nashville, Tennessee: Abingdon, 1992).
4 Rainer, Effective Evangelistic Churches, 39-40.
5 Ibid., 41-2.
6 Ibid., 45-46.
7 Ver o artigo de Charles Arn, "Multiple Worship Services and Church Growth," em NetFax 60 (1996) 1.
8 Ibid., 46-7.
9 Ibid., 48.
10 Entre muitos artigos, veja-se Lyle Schaller, "You can´t believe everything you hear about church growth" em Leadership, 1/18 (1997) 46-50, uma crítica a nove "mitos" do movimento de crescimento de igrejas. Veja ainda a crítica de estudiosos que não são especialistas em crescimento de igrejas, como F. Solano Portela, "Planejando os Rumos da Igreja: Pontos Positivos e Crítica de Posições Contemporâneas," em Fides Reformata 2/1 (1996) 79-98. Ainda, Heber Carlos de Campos, "Crescimento da Igreja: Com Reforma ou Com Avivamento," em Fides Reformata 1/1 (1996) 34-47.
11 Cf. Pastor´s Weekly Briefing (21 de maio de 1997), 1.
12 É ainda relevante notar que existe uma crescente suspeita quanto à confiabilidade das estatísticas realizadas pelas igrejas e que baseiam-se no depoimento dos membros. Segundo estudo recente, muitas pessoas declaram frequentar regularmente uma igreja, quando na verdade não o fazem. A razão é que desejam ser aceitas socialmente. Declarações igualmente falsas quanto à leitura da Bíblia e à vida de oração podem ser feitas pelas mesmas razões (cf. Christian Century, 11 de setembro de 1996, p. 879). Sobre estatísticas das igrejas, ver ainda Jeannie Jensen, "What does God expect?" em Circuit Rider 20/7 (1996) 12-13, onde a autora propõe novos métodos estatísticos para melhor reflectir a realidade. Por outro lado, estatísticas podem trazer alguma moderação no entusiasmo e optimismo de alguns. Enquanto se fala no crescimento explosivo das igrejas evangélicas na América Latina, uma recente pesquisa global revela que em 17 países latino-americanos 42% das pessoas se declararam fortemente comprometidas com a Igreja Católica. Nesses países, a média do número de evangélicos está na faixa de 6% apenas, e a proporção de não religiosos subiu de 5% para 7% ("A Recent continent-wide pool," em Religion Watch, 6/12 [1997] 6-7).
13 Cf. Clayton Berg e Paul Pretiz, "Latin America´s Fifht Wave of the Protestant Church," em International Bulletin of Missionary Research 4/20 (1996) 157-9.
14 Cf. Portela, "Planejando os Rumos da Igreja," 79-87.

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